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Fugindo da morte

por Helena Duncan | @helenaduncan__




:: Eu sempre preferi escrever do que falar com uma pessoa, assim evito ser tomada por emoções que surgem num confronto e mudam a direção do que eu, objetivamente, quero dizer. Escrevendo eu tenho a ilusão de que consigo filtrar o que mais importa. Mas, aí é que está o mistério, é escrevendo que me encho de emoções até a tampa, porque as palavras escritas têm de mim o melhor. Mesmo com os piores sentimentos, aqueles que escondemos dos outros, se os traduzo em palavras escritas, é como se eles se transformassem em algo mais nobre e não perdessem tempo na vulgaridade de uma briga. A palavra escrita é uma arma certeira, letal.


Gosto de inventar verdades e maquiar a realidade, vestir os acontecimentos com roupas de rendas finas e texturas diferentes, abusar das cores fortes e do ton sur ton, apertar a cintura da saia de uma prosa aqui, ajustar um decote do romance ali e deixar o que é bonito à mostra, quem sabe fechar o look com um iluminador no nariz da poesia, uma sombra azul, um batom vermelho e voilá, a história está pronta para desfilar por aí cutucando a imaginação alheia. As palavras escritas têm a capacidade de criar imagens na cabeça de quem lê, quando eu escrevo e você lê, estamos conectados por algo que é absolutamente diferente pra cada um de nós, isso me encanta.


Escrevo ora por necessidade íntima, ora por vaidade, mas também escrevo porque vivo disso. No ofício de jornalista, eu sempre tive que usar as palavras escritas para contar histórias "reais", tornando-as interessantes, mas nunca tão inventivas a ponto de não serem mais reais. Talvez a minha criatividade tenha me ajudado a ser boa nisso, a trazer um ponto de vista que ajuda uma história a ser propagada. Mas, bom mesmo é inventar e ter mais compromisso com a beleza das palavras e das imagens do que com o que aconteceu, de fato.


Aí chego à conclusão de que escrevo mesmo para fugir da realidade, de preferência acompanhada de um leitor, assim também fujo da solidão. Se nunca lerem eu ficarei capenga, penso no mito da completude, da Grécia antiga: a forma humana era a de uma esfera com quatro mãos, quatro pernas, duas cabeças e dois sexos. Por serem plenos e fortes, desafiavam os deuses e Zeus resolveu dividi-los ao meio, formando homens e mulheres que, incompletos, buscam suas metades pela vida. Hoje sabemos que essas metades independem de gênero. Fato é que se eu tiver um leitor, terei a ilusão da completude, já que isso nunca pode ser verdade. Nós, humanos, nos definimos pela falta.


Escrevendo eu acesso meus arquivos mais profundos, acesso memórias do que vivi e aprendi, tenho vontade de compartilhar com o mundo por essa via, não por outra. As palavras faladas se vão no vento, as palavras escritas podem ser eternas e isso me traz novamente para uma metáfora, agora da psicanálise: “toda arte se caracteriza por um certo modo de organização em torno de um vazio” - do Jacques Lacan. Querer se eternizar, mesmo que através da arte, é querer fugir do vazio inevitável que é a morte.


Eu escrevo para viver!




Helena Duncan | @helenaduncan__ é jornalista e empresária de comunicação, o que já define um traço forte de sua personalidade: a paixão pelas palavras. No mais, se diz uma mulher carioca de alma predominantemente solar e escrita soturna.


Sócia e fundadora da ímã Conexões com Propósito | @imaconexoes





ARTE: Andréa Samico | @andreasamico

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