top of page

A Cereja e o Bolo

por Camila Camellini | @camilacamellini




:: A vida, pra mim, é feita de detalhes. E detalhes não são necessariamente as pequenas coisas, tampouco as menos importantes. Aliás, tamanho e importância estão nos olhos de quem vê. Somos nós que exportamos adjetivos de dentro de nós mesmos e caracterizamos o que quer que caia em nossa apreciação. Ou depreciação.


Detalhes, pra mim, são outra história. É assovio querendo virar ópera, é beijo querendo virar compromisso, é caminhada matinal querendo virar medalha de ouro nas olimpíadas, mas que, pela agradabilidade de serem o que são, não viram, permanecem originais, sejam do tamanho que forem, tenham a importância que tiverem. E durem o tempo que durar: um segundo, uma hora, um ano, não importa, pois são os detalhes que eternizam o momento.


O bolo da festa de aniversário é a sensação. Chantilly, confeitos variados, o diabo a quatro – mas se não houver aquela cerejinha no topo, não é bolo que se preze. Pode ser uma apenas, solitária, pequena, mas é a bendita da cereja que faz nossos olhos arregalarem, nossas bocas salivarem. Um detalhe que torna a distribuição das fatias do bolo uma verdadeira disputa: posso ficar com a cereja?


Finalmente chegou o grande momento: vai pedi-la em casamento. Já marcou a data, reservou o restaurante, informou a família sobre a nobre decisão e, claro, comprou o anel de noivado: uma joia delicada, do jeitinho que ela sempre quis.


Uma joia é sempre uma joia, porém, há de se oferecê-la numa embalagem apropriada: uma caixinha pequena, aveludada e que, quando abre, por si só faz aquele suspense que denota a qualquer oferta um valor inestimável. Um detalhe capaz de anunciar o que ainda não foi anunciado.


Janelas são importantes numa casa. É através delas que descobrimos a necessidade de se levar um casaco, um guarda-chuva, ou apenas de nos levar para um passeio num lindo dia ensolarado.


Janelas são importantes. As com cortina então… Sempre gostei de janelas com cortinas. Aquelas fininhas, claras, esvoaçantes. Quando o vento bate é como se a vida dissesse: “estou entrando, tem alguém em casa?”. Sempre tem alguém em casa em casas que têm janelas com cortinas. Cortinas são detalhes de pessoas que gostam de se fazer presentes mesmo quando estão ausentes.


Gosto dos detalhes. Identifico-os no meu dia a dia, aprendo que, ser o que os outros esperam que eu seja – o bolo da festa, uma joia, uma janela – não faz a menor diferença quando o que eu quero é ser a cereja, a caixinha, a cortina, porque a importância de ser o que se é não está na expectativa do outro, mas na minha própria expectativa. Afinal, para ser a cereja, há de se ter muita autoconfiança para não querer ser o bolo – esse é o detalhe que muita gente não enxerga.




Camila Camellini | @camilacamellini é brasileira, apaixonada por desenhos e aquarelas, e vive em Portugal com sua família. Gosta de escrever e dar vida às palavras com cores e traços. É idealizadora do projeto Palavras Pintadas (@palavras.pintadas), onde apresenta ilustrações inspiradas em diálogos que tem com seu filho e em suas percepções do cotidiano.






ARTE: Andréa Samico | @andreasamico

bottom of page