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O Haicai de Bashô

por Wiana Kell | @wiana.kell




:: Alice Ruiz, uma das grandes mestras haicaístas do Brasil, disse: "escrever haicais é fotografar com palavras”. Seria como registrar um momento, um instante que nos eleva os sentidos.


Eis o haicai. O poema mais diminuto de todos. O “hai” se traduz para: uma brincadeira, e “kai”: a harmonia. Parece tão simples de se escrever, mas não basta saber somente a técnica da escrita, a gente tem que se sentir parte do todo, extrair os pequenos suspiros que surgem ao nosso redor, e isso só acontece com muita atenção, foco no momento presente.


De origem japonesa, o haicai tradicional, segue regras de metrificação. São elas respectivamente - cinco, sete, cinco - sílabas poéticas distribuídas nos seus três versos. Na maioria das vezes nesse modo mais clássico, a sua temática é sobre a natureza: contemplar as plantas, olhar as pegadas dos bichos, apreciar as fases da lua.


No Brasil não é exigido seguir a rigidez da métrica, por conta das diferenças idiomáticas entre o japonês e o português. Sorte a nossa, ganhamos assim mais liberdade nesse brincar.


Esse poemeto de caráter popular, surgiu no Japão feudal do século XVI, foi aprimorado pelo grande mestre, Matsuo Bashô, um ex-samurai que virou um poeta andarilho por opção. Ele queria percorrer o país atrás da lua cheia. Criou o seu próprio estilo de escrever haicais e assim difundiu essa forma poética pelas terras nipônicas. Sua poesia teve forte influência do pensamento zen budista por ter tido contato com o mestre zen Buchô.

O grande poeta escreveu por volta de mil haicais em vida. Seu nome, teve origem de fato curioso, já que um amigo plantou uma bananeira ao lado da cabana onde ele vivia. Bashô, logo se tornou o “Senhor Bananeira” — na época, uma planta muita exótica no país.


Gosto de citar duas frases do mestre:


“Não busco o que os antigos criaram, mas sim o que almejaram.”

“O Haikai é o satori, o despertar zen que repentinamente surge no caminho”


E deixo aqui registrado os últimos três versos escrito por ele, antes de falecer:


finda viagem

meus sonhos rodopiam

pelo seco descampado



Por fim, para vocês um haicai de minha autoria.


bateu o vento

perfume nas mãos

jasmim no chão

*

*Destaque na revista Brasil Nikkei Bungaku #70




Wiana Kell | @wiana.kell passou pelo Canadá e Bahrein antes de firmar residência em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Escreve também literatura infantil, haicais e contos. É autora do “O Jardim da Lua" (finalista do Prêmio Jabuti 2022 na categoria ilustração) , "Sarah & The Pink Dolphin'', seu primeiro livro bilíngue (inglês e árabe) e "Pepa e Keca em Quem viu rimas por aí?", com o qual participou do Festival de Literatura da Emirates Airline em 2019. É pós-graduanda do curso "O livro para a Infância: processos de criação, circulação, mediação contemporâneos" na A Casa Tombada e parceira do clube de assinatura de livros infantis, A Taba, nos Emirados.



ARTE: Andréa Samico | @andreasamico


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